Dinah P. Guimaraens - Junho de 2013
“Em países como os nossos, que não chegam esgotados,
ainda que oprimidos e subdesenvolvidos, ao nível da história contemporânea,
(...) quando se diz que sua arte é primitiva ou popular vale tanto quanto dizer
que é futurista”
(Mário Pedrosa. Discurso aos Tupiniquins ou Nambás.
Paris, 1978).
Visando criar um diálogo interdisciplinar e reforçar
relações transculturais, a Universidade Federal Fluminense, através de seu
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo-PPGAU, da Escola de
Arquitetura e Urbanismo-EAU, ao lado da UNIRIO, busca desenvolver atividades de
pesquisa e de extensão com comunidades autócnes de indígenas e
afro-descendentes. O Professor Jacques Poulain, da Cadeira UNESCO de Filosofia
da Cultura e das Instituições e do Departamento de Filosofia da Universidade
Paris 8-Saint Denis, esteve presente ao seminário internacional “Museus e
Transculturalidade: Novas Práticas Pós-Modernas”, realizado no MAC-Niterói de
27 a 29 de maio de 2013. De acordo com Poulain, a universidade permite o
reforço da cultura socialista no ser humano ao favorecer o espírito crítico que
se desenvolve através da filosofia, da literatura, da arte, da arquitetura e da
estética com a cultura da comunicação e a história.
Tendo ainda em vista as Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena (Lei n° 11.645 de 10/03/2008; Resolução CNE/CP N° 01
de 17 de junho de 2004), e a exigência pelo MEC de que a temática da História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena seja incluída nas disciplinas e atividades
curriculares dos cursos de graduação das universidades brasileiras, o seminário
tem como uma de suas intenções indagar: Será possível inserir adequadamente as
populações indígenas e afro-descendentes neste universo escolástico sob a ótica
da globalização e da comunicação, tendo em vista as políticas do espaço
público, a valorização do patrimônio imaterial pela UNESCO e sua decorrente
educação cultural patrimonial?
Os objetivos específicos da Missão de Trabalho
CAPES-Cofecub do Professor Jacques Poulain na Universidade Federal Fluminense,
em maio-junho de 2013, referem-se ao estabelecimento de bases para o
funcionamento de cursos de excelência em mestrado e doutorado que possam
expressar um rico contexto multicultural brasileiro na América Latina, ao lado
da discussão da proposta da coordenadora brasileira pela CAPES-Cofecub,
Professora Dinah Guimaraens, sobre um Museu Vivo a ser implantado como Canteiro
Experimental no Campus da Praia Vermelha, visando a divulgação da cultura
nativa e de origem africana através de uma Revista Eletrônica de Pesquisa no
meio acadêmico e de extensão universitária, com a participação de agentes
indígenas, afro-descendentes e africanos para uma real experimentação
transcultural de educação em nível nacional e internacional.
A arquitetura de inspiração “barroca”, segundo Glauco
Campello (2001), de Oscar Niemeyer, com suas formas circulares e espiraladas,
acabou por influenciar a estrutura da arquitetura brasileira de caráter kitsch
dos subúrbios cariocas e do interior do Nordeste e de Minas Gerais. A imagética
desta arquitetura kitsch (Guimaraens & Cavalcanti, 2006) expressa uma
estética mesclada aos princípios construtivos da arquitetura moderna de
Niemeyer, a qual por sua vez incorpora posturas barrocas ao funcionalismo de Le
Corbusier. A presença de uma corrente de influência barroca luso-brasileira na
obra de Niemeyer é caracterizada pelo uso de elementos de linhas curvas e de
forma livre (cf. Underwood, 1992), tal como ocorre com a colunata do Palácio do
Alvorada (1956-1958), em Brasília.
Estas colunas foram inspiradas em redes estendidas ou em
velas de barcos e se tornaram ícones do poder político federal, tendo seus
elementos construtivos caído no gosto popular e sido copiados em fôrmas de
gesso, dispostos maciçamente como decoração nas fachadas das casas das classes
trabalhadoras em todo o país. Outros elementos absorvidos das obras estéticas e
funcionais de Le Corbusier e Niemeyer foram o telhado plano e o telhado
“borboleta” (teto em “v”, com uma calha central, onde a água da chuva é
drenada), derivadas da estética das “máquinas-de-morar” modernistas
O seminário internacional teve como ideia-chave
homenagear a arquitetura-viva de Oscar Niemeyer, tendo selecionado como seu
espaço de realização aquele que é considerado como um dos projetos mais
expressivos deste arquiteto: o MAC-Niterói, ícone da cidade e da Prefeitura de
Niterói. No decorrer de três dias, tivemos a oportunidade de vivenciar in loco
os conceitos da filosofia transcultural de Jacques Poulain ao integrar acadêmicos,
alunos, técnicos e agentes culturais indígenas e afro-descendentes em uma
“experimentação total” universitária.
A “alegria triunfal” do Parangolé e da Tropicália baseia-se no
experimentalismo plástico do barracão da escola-de-samba, indicando aquilo que
Hélio Oiticica denomina como “lazer não-repressivo” que pode autofundar o
indivíduo. O kitsch questiona a própria identidade brasileira: como se pode
criar uma arte “autêntica” (artesanal e regional) através da incorporação de
tendências internacionais (tecnológicas e globais)? A postura antropofágica, de Oswald de Andrade a Hélio
Oiticica-H.O., contrapõe a vanguarda estética ao consumo da cultura de massas.
O “ready-made” de Marcel Duchamp aproxima-se da estética
kitsch ao enfatizar a “não-pureza” que mescla elementos arquitetônicos
espúrios. O kitsch é, então, uma ANTIARTE: obra transitória que incorpora
posturas do cotidiano. A estética experimental kitsch expressa o papel da
cultura de massas como território de fronteira entre arte erudita e popular,
representando uma “vanguarda de choque”. A relação entre a imagem e o ser,
enquanto estrutura social no espaço-tempo, define as diferentes práticas
artísticas como artes visuais, escultura, literatura, arquitetura, música e
dança / performance. A reprodução excessiva de imagens visuais na história
contemporânea simboliza a imagética típica, em termos estruturais e históricos,
da civilização dos meios de comunicação de massa, embora não represente o poder
discriminatório de uma era. As imagens do Painel Transcultural traçadas por
Duda Penteado e Fernando Pacheco, juntamente com o corpo discente da Escola de
Arquitetura e Urbanismo-EAU da Universidade Federal Fluminense-UFF e com
agentes indígenas da antiga Aldeia Maracanã, expressam um exercício criativo
que encerrou este seminário internacional, no qual o diálogo entre as
diferentes manifestações artísticas foi enfatizado.
Em geral, as notações gráficas, em todas as suas formas
de expressão, são consideradas como instrumentos fundamentais do desenho artístico.
“O pensamento visual” adota os conceitos de “imaginação interativa” e do
“conceito figural” para reiterar sua rejeição de qualquer dicotomia entre a
concepção do projeto e a gravação da imagem figurativa. Em outras palavras, a
notação gráfica empregada para desenhar diagramas e croquis é entendida como
sendo fundamental para a concepção do projeto deste Painel Transcultural. O
emprego de eixos e formas triangulares como elementos de composição é uma
tradição nas artes visuais. O eixo imaginário estabelece uma linha de suporte
que cria um tipo de relação entre as partes da composição, quando se define um
tipo ideal de um “esqueleto” que apoia a concepção de valores primários de
ordem, estabilidade e dominação. Com esta ênfase nos eixos, a ideia geométrica
do Painel Transcultural se afirma pela redução da solução tradicional da rede
reticulada em um sistema de rede que determina a organização e o layout dos
elementos urbanos.
A expressão artística de algo desenhado no papel assumiu
assim a forma de um meio ou a forma de um pensamento plástico, tal como ocorreu
na proposta de Painel Transcultural realizado no MAC-Niterói em 29 de maio de
2013. Na concepção deste projeto visual, a conceituação do pensamento e o
pensamento do desenho podem ser indicados pelo aforismo de Lucio Costa (1962)
de que “o risco é um risco” - projeto.
O “risco” dos dois artistas plásticos estimulou a
imaginação dita “ativa”, ou seja, uma imaginação com “vontade” (Bachelard,
1979). A concepção do projeto referiu-se aqui a uma atividade onde a notação
gráfica aparece como um modo de discurso, ou seja, o discurso de um estilo
poético que simboliza um dos quatro níveis de precisão propostos por
Aristóteles: poética, retórica, dialética e analítica. Caracteriza-se tal
discurso poético como sendo parte da imagem onde o gosto de hábitos
convencionais se afirma como forma de ser que deve ser aceita como verdadeira
temporariamente, ocasionando desta maneira a suspensão da descrença sobre a
realidade imagética. A transição do mundo real, nas artes visuais, decorre do
papel fundamental desempenhado pela atividade criadora do olho como órgão que
estabelece um espaço comum para a arquitetura, a escultura e a pintura
artística.
O essencial entre as três artes da arquitetura, escultura
e pintura encontra-se no elemento que o teórico de arte e escultor alemão
Hildebrand (apud Poulain, 2002) chama de impressões “arquitetônicas” e que
representa a confluência da verticalidade, da horizontalidade e da profundidade
como lei geral que constitui o espaço de composição. Sobre a percepção visual
deste Painel Transcultural, pode-se estabelecer uma conexão com o mundo para
responder à pergunta: o que é (re) apresentado pela imagem (real ou
imaginária)? (Cany, 2008, p. 47-48). A resposta clássica é que “o plano da
consciência gráfica é que formaliza”, já a resposta tradicional afirma que “é o
plano do inconsciente que se materializa” (Bachelard, in op. cit.).
Caracteriza-se tal discurso poético, expresso neste Painel Transcultural, como
sendo parte da imagem onde o gosto de hábitos convencionais se afirma como
forma de ser que deve ser aceita como verdadeira temporariamente, ocasionando
desta maneira a suspensão da descrença sobre a realidade imagética.
O Painel Transcultural nos fala, então, sobre a crença em
uma sociedade multicultural brasileira, onde representantes de diferentes
etnias, estratos sociais e níveis educacionais puderam interagir para construir
um espaço dialógico e criativo no universo das artes plásticas, inspirados e
contaminados pela forma circular-barroca contemporânea da arquitetura de Oscar
Niemeyer.
Professora Dinah Guimaraens, Ph.D. - Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo / PPGAU - Universidade Federal
Fluminense/UFF
fotografia: Maíra Soares e Fabiana Carvalho, Escola de
Arquitetura e Urbanismo-UFF
Acesse o video da PERFORMANCE :
Transcultural Action Art ( youtube link:
http://www.youtube.com/watch?v=k08EbzaYsnQ
Referências:
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