Inferência

A Arte fornece esta liberdade!

Por Olivio Guedes


ProCoa Projeto Circuito Outubro Aberto surgiu de um movimento de abertura de ateliers de artistas plásticos residentes em São Paulo para dar acesso ao processo de pesquisa, desenvolvimento e construção da produção artística como um todo, que teve concepção e curadoria de Risoleta Córdula (1937-2009).

 

Os participantes do circuito mantêm seus ateliers em diferentes bairros da cidade e advêm de diversas áreas: artistas nas diversas trajetórias e mídias, além de críticos, pesquisadores e marchands. Esta variedade de caminhos, pesquisas e experimentações amplia a reflexão para a arte hoje.

 

ARTISTA

Este substantivo torna ‘animadas as coisas’.

O que é coisa? Sua origem latina vem de causa, portanto é algo que existe. O ser humano cria níveis, estados para poder compreender as coisas. Como exemplo: existe a coisa, esta se torna objeto, este objeto pode se tornar um objeto de arte. Esta hierarquia cresce ou decresce em algo dependente do Ser.

O que é animado? Origem latina de animus: dotado de movimento. Mas, este movimento tem sua origem neste mesmo verbete que quer dizer alma.

 

O Ser artista é o manipulador das coisas, ele as transforma, portanto ele é o veículo da mudança.

O ProCoa criou o Veículo#. Objeto de transporte de ideias, de conceitos, de processos, de pesquisas, de desenvolvimentos; onde apresenta a produção como concepção da obra artística. Na sequência desta palavra temos o signo octothorpe (oito linhas), que significa número, ou seja, medida.

 

O artista é um Ser auto transformado, o athanor dos alquimistas, este forno que forja as coisas, como signo artístico: forja a alma, por isto conhecido como Magnus Opus, a Grande Obra. Este desenvolvimento também é chamado de A Arte Real. As palavras e os conceitos criados na alquimia medieval renascentista ocorrem concomitantes com o desenvolvimento da arte. O artista é o alquimista. O alquimista em seu trabalho busca a Grande Obra, exatamente como o artista.

 

LUGAR

Para que isto ocorra, o artista tem que ter um lugar, um território e um itinerário. Seu primeiro lugar é o vestido que cobre a alma: o corpo. Este corpo, por ser animado (animus) tem que ser reconhecido, chegou assim ao estado de consciência, mas, o que é consciência? Consciência é um meio, do qual temos a capacidade de identificar coisas com nosso conhecimento e reconhecimento simbólicos. Onde nossos signos se transformam em símbolos, nossos significantes caminham para serem significados. Quando o artista sabe seu lugar compreende o dentro e o fora, possibilitando a criação.

 

Para a criação, a manipulação da matéria deve se ter um laboratório alquímico/artístico: o Atelier (Galicismo, latino astula). Este lugar, este lócus, onde se está delimitado para criar uma condição de exercer o momento criador.

Mesmo tendo consciência do estado passageiro que é, portanto, este lugar: interno/externo pode se ter um mapa para a compreensão do universo mas este moto compreende que a única coisa certa é a incerteza.

Munido desta consciência, munido deste seu lugar interior, poderá ocupar seu atelier, chegando assim a produzir momentos de criação.

O artista desenvolveu seu Itinerário, a partir de estados reflexivos, podendo partilhar suas obras. Entra neste momento/estado a questão do outro.

 

TERRITÓRIO

Este outro: algo ou alguém que nos leva ou eleva a uma questão maior, o Território. Território, terra, ter. O artista compreendeu seu lugar, faz a mediação com o todo perceptivo, através de suas possibilidades cria novas circunstâncias, chegando à questão não-lógica de realizar as impossibilidades, sendo, que através da transformação do reconhecimento de seu lugar, seu território, chegara ao ‘não lugar | não território’, com isto co-habitando.

Seu momento território reconhece a alteridade, esta relevância ontológica o faz observar e o leva para ver os participantes. Com participantes o estado na trajetória o eleva a um Espaço Atelier Contemporâneo, ou seja: lócus de ambientação do próprio tempo, expondo, assim, a experimentação de seus saberes.



INFERÊNCIA

Nesta organização curatorial, em convivência com os artistas do ProCoa, percebi, compreendi e principalmente senti estes pontos que deixo aqui marcados de um desenvolvimento profundo e anímico, sendo de uma busca interior.

 

Existe um caminho para poder realizar obras de plenitudes sociais e para um autoconhecimento humano, que só podem ser percebidos por espíritos de criatividades puras. A ética natural.

 

A reflexão quanto à origem da existência, em uma visão embasada na teoria do conhecimento, propicia uma característica de expressão que precede ao anúncio do vaticinar.

 

A questão da inferência, a capacidade de organizar um pensamento, alcançar um nível de nitidez, poético, que permite ao espírito desenvolver proposições que possam firmar objetos artísticos com potencial revelador que resulta no merecimento da troca, habita exatamente no indivíduo sem grilhões.

 

A Arte fornece esta liberdade!




Olívio Guedes - Pós-doutor em Crítica e História da Arte pela USP, é diretor cultural do conselho da Universidade de Haifa/Brasil, diretor institucional e cultural da B’nai B’rith e perito judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo.


Texto extraído do Livro “Trajetórias I” - (ProCOa, 2011 – Editora All Print, 300 págs).


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