Por Olivio Guedes - estudioso, pesquisador e atuante no
campo das artes plásticas
Tempo e memória. Medir. Mensurar o estado de nossa
civilização, pois tudo que observamos, julgamos, é o próprio sentimento, é um
estado medido para ser validado. O chamado mundo das trocas. Sejam estas
visíveis ou não.
A mensuração do tempo em suas primeiras
considerações é exatamente a medida do movimento.
Os Pitagóricos tinham por definição: a esfera que
abrange tudo; pois achavam que era a medida perfeita.
Acreditamos na linearidade do tempo. A gramática e a
física nos apresentam isto, ou seja: pretérito, presente e futuro.
A física atual (2012) acredita (tenta cientificar) que no
border line de um buraco negro, o que chamamos de Horizonte dos Eventos, exista
uma ruptura com a questão temporal, assim, neste local, espaço, o tempo é
atemporal. Plena contradição
aristotélica.
Mas, ao sairmos do macrocosmo, do universo e, ao entrar
no mesocosmo, mundo da relatividade humana, vamos compreender a relação espaço,
tempo e o mundo da criação.
Em qual momento, em qual lugar, portanto: qual o tempo e
espaço acontece o criar?
O criar vem de súbito? O criar é um conjunto de
circunstâncias? Vamos juntar os dois!
Criar é: um conjunto de circunstâncias que acontece
de súbito.
Quais SÃO estas circunstâncias?
O lugar é o corpo. Se habitarmos um corpo, este corpo
espacial detém um conteúdo de experiências genéticas (bio logia), este conteúdo
não advém somente de nossos pais e nossos avós, mas de toda a humanidade; ou
mais ainda: de todo universo.
Ao escrevermos sobre criar, escrevemos sobre o novo, mas,
para sabermos o que é novo, temos que ter por base um mundo conhecido, este
conhecido é a história - a memória. Este verbete “história” tem sua origem
latina que, como significante, quer dizer: tecido, que dá origem à histologia,
ou seja, o estudo dos tecidos na medicina, contudo, temos também o tecer da
Teoria de Campo do universo, muito estudada por A. Einstein, qual é equiparada
à mente, que falaremos mais adiante.
Esta configuração, este pensamento, este intelecto, nos
faz entrar na questão: o que habita nosso corpo? Quando não falo com minha
boca, quem está falando dentro de mim? Vamos chamar aqui de voz reflexiva;
reflexiva do quê? Do que vivo! Ou seja: meu conteúdo genético, mais meu meio
ambiente executam um movimento de fora para dentro e de dentro para fora, com
isto criando uma arte (in natura), a arte de existir.
A genética armazena um conteúdo de dados que me faz
adaptar melhor ao meio e com isto progredir em minha existência. Meu existir do
pretérito me dá sustentação para o presente. Este estado presente só pode
existir se houver criação.
Mas minha criação artística está no enfrentamento das
relações genéticas com o meio?
Para existir a criação, seja artística ou não (entendamos
agir a vida como um movimento criativo), temos que existir em conflito? Sim,
algo que surge do inesperado (o terceiro incluído na transdisciplinaridade).
Algo que nunca foi proposto, ou sugerido por nós.
Portanto, este momento que nunca surgiu veio de onde?
Claro que nosso organismo, nosso corpo, detém este conhecimento genético, o
meio detém o desconhecido, neste conflito surge à criação.
Vamos lembrar do imlembrável; a falta de memória - a
amnésia. Amnésia, ou a quantidade de coisas pelas quais passamos, está
armazenada em nosso organismo. Como acessá- la?
Por provocação do meio? Por necessidade de lembranças?
Por necessidade de sobrevivência?
O cérebro é um órgão que armazena dados, portanto memoriza
circunstâncias. Estas circunstâncias são mantidas próximas pelo motivo de
‘demarcação de sentimentos’, de paixões que elevam nosso momento em vida.
A nossa mente é um aparelho sutil, portanto não palpável,
pela sua sutileza, que se recorda, portanto acorda circunstâncias, e compara
com o momento presente. Esta capacidade eletrônica, da mente, nos apresenta um
movimento de dentro para fora e de fora para dentro (interação). Com isto
criando artificialmente (arte como radical) na matéria; surge a arte. A mente é
um campo elétrico-magnético (Teoria de Campo) que existe em relação ao nosso
cérebro, mas a sua capacidade de extensão depende de algoritmos relacionais.
Neste ponto deveremos interpretar o que é o intervalo. A
mente tem sequências chamadas lógicas; lógica estabelecida em sua base pelos
conceitos aristotélicos, nesta sequência, portanto linear, se tem o chamado
momento (do latim momentum = impulso), este pulso tem sua natureza própria, que
é relativa a seu conteúdo físico, por exemplo: o pulsar de um coração humano, o
pulsar de uma galáxia. A questão da continuidade, a questão do momento, a
questão do instante cria um movimento. Onde surge o primeiro movimento, o
Big-bang. Onde aconteceu o Big-bang?
Qual é a ordem da memória? Qual é a ordem dos sonhos?
Qual é a ordem para a criação?
Se eu procuro construir uma simples ideia do Tempo,
abstraindo a sucessão das ideias no meu espírito, que flui uniformente e é
compartilhada por todos os seres, estou perdido e preso em dificuldades
inexplicáveis. (Berkeley, Principles of Human Knowledge, I, 98)
Existe o movimento - não podemos entender onde ele
começou -, existe a continuidade, que se dividem entre sístole e diástole, mas,
o que mais existe, é o momento entre estes dois movimentos, o instante que é
chamado de vazio.
Talvez a resposta para entendermos onde foi o começo
ocorra no instante vazio; pois já sabemos que o vazio não existe, pois já o
reconhecemos.
Ao acessarmos nosso conteúdo de memória, memória amnésia,
a memória esquecida, depende da paixão (do grego pathós = sentir), poderemos
acessar nosso conteúdo de amnésia, com isto, mais nosso conteúdo genético, ou
seja: captando o possível mais o impossível e utilizando isto com o meio,
poderemos criar.
Quais os níveis de criação?
1- A criação pode ser um simples estado de necessidade de
vida, a respiração.
2- A criação pode ser a necessidade de criar um objeto
para transportar um pouco de água, um recipiente.
3- A criação pode ser um recipiente com adornos em sua
volta, com isto se tornando o que chamamos de decorado.
4- A criação pode ser algo desenvolvido pelo nosso
conhecimento, portanto memória que inventa algo necessário para o
desenvolvimento, um automóvel.
5- A criação pode ser algo que poderá ser utilizado no
futuro, logarítmicos (criado no séc. XVII e utilizado dezenas, centenas de anos
depois).
Por que a repetição É um estado enfadonho?
O ser humano tem a necessidade de criação. Sensação de
enfado é produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongada demais.
A questão da velocidade do tempo.
A ordem do tempo, a ordem do antes e do depois, é
redutível à ordem causal... A inversão da ordem temporal para determinados
acontecimentos, que é resultado derivante da relatividade e da simultaneidade,
é só consequência deste fato fundamental. Desde que a velocidade da transmissão
é limitada, existem eventos tais que nenhum deles pode ser causa ou efeito do
outro. Para tais eventos, a ordem do tempo não está definida e cada um deles
pode ser chamado posterior ou anterior ao outro
(A. Einstein,
Philosopher-Scientist, 1949, pg 289)
Entendamos necessidade como algo imprescindível ao nosso
momento de utilização da mente. A nossa condição de base contraditória, ou
seja, nosso mundo social pede uma existência de verdade.
O que é verdade? Verdade é um estado onde o pensamento, o
falar e a atitude se findam em uma única realização. Este estado se fez
necessário pela forma qual nosso mundo social encontrou para podermos coabitar.
A verdade é, portanto, uma realidade vista pela maioria que detém o poder de
autoridade e, assim, ministra este comportamento para uma convivência
supostamente harmônica.
Ao entrarmos em contradição, estaremos vivendo em um
momento que não é equilibrado com nosso método de vida social. A criação poderá
modificar este estado, por isto as leis são uso e costume.
Assim, a verdade se torna relativa ao momento e local na
qual é empregada. Com este escrever, poderá adotar como unidade de Lei única a
seguinte frase: “o único estado certo no universo é a incerteza”. Perceberemos
assim que a mutação, a inconstância, são momentos eternos.
Chegamos então à questão. O que é realidade?
O tempo absoluto verdadeiro e matemático, na realidade e
por sua natureza, sem relação com alguma coisa de externo, flui uniformemente
(acquabiliter) e se chama também de duração. O tempo relativo aparente e comum
é uma medida sensível e externa da duração por meio do movimento.
(Isaac
Newton, Naturalis philosophiae principia, I, def. VIII)
Pela análise física da vida, não é possível a repetição
igual, nossa percepção portanto não é profunda e daí nos cansamos de estados
observados superficiais como repetidos.
Nossa mente tem um limite de seu aprofundamento, a
questão ‘fritar a mente para pensar’. A maioria dos seres humanos tem um
comportamento superficial quanto à questão da abstração. Vamos usar como
exemplo o mundo matemático. A álgebra é de um conteúdo que poucos humanos podem
compreendê-la. A arte abstrata pede uma composição mental ao ponto de um
redescobrimento de si próprio para poder analisá- la. A psicologia desenvolve
esta questão.
A arte conceitual é um desenvolvimento que busca saber que
lugar/espaço ocupo, em que tempo vivo. Nestas análises tenho que compreender
minhas composições históricas sociais e buscar meus estados de amnésia e o
melhor que estar por vir: a criação.
Futuro não significa um agora que ainda não se tornou
atual, e que ficará, mas o “infuturamento’ pelo qual o Ser-aqui chega a si
mesmo, por meio do seu mais próprio poder-ser. A antecipação torna o Ser-aqui
autenticamente ‘capaz de chegar’, de sorte que a própria antecipação é possível
somente porque o Ser-aqui em geral já sempre chegou a si mesmo.
(Martin
Heidegger, Sein und Zeit, § 65)
Criação: momento do impossível. Estado de plenitude onde
meu desconhecimento habita no todo. Neste momento o ser-profeta se revela em
artista, cria o incriado.