A TRAJETÓRIA DE CARLOS DA SILVA PRADO

Graziela Naclério ForteDoutora pela Universidade de Campinas (2014) e Mestre pela Universidade de São Paulo (2008), pesquisa temas relacionados à política nas artes e modernismo. Autora da dissertação CAM e SPAM: Arte, Política e Sociabilidade na São Paulo Moderna, São Paulo, USP, 2008; e da tese intitulada Carlos Prado: Trajetória de um Modernista Aristocrata, Campinas, Unicamp, 2014.

Quando comecei a pesquisar o Clube de Artistas Modernos (CAM), agremiação       cultural fundada na capital paulista, em 1932, por Flávio de Carvalho, Antônio Gomide, Di Cavalcanti e Carlos Prado foi fácil perceber que sobre os três primeiros há muitos livros, artigos e os mais diversos estudos acadêmicos; enquanto que apenas alguns historiadores da arte brasileira destacavam a obra social de Carlos da Silva Prado e mais nada.

Aos poucos fui encontrando trabalhos de autoria dele nos acervos das Pinacotecas Municipal e do Estado, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), do Museu de Arte Contemporânea (MAC) e da Coleção Mário de Andrade, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP). Totalmente por acaso, ao folhear um livro sobre o Acervo do Governo do Estado de São Paulo, vi uma foto da tela Peixe (1946), que encontra-se no Palácio Boa Vista, na cidade serrana de Campos do Jordão. O mesmo se deu com o óleo Meninos com Bola (década de 1940), da Coleção Itaú.

Minha curiosidade em saber mais da vida e da obra dele só aumentava. Ao decidir fazer o doutorado, o tema já estava definido: iria analisar a trajetória de Carlos da Silva Prado (1908-1992), mais conhecido por Carlos Prado, membro de duas importantes famílias da elite paulistana: os Silvas Prados e Penteados. Assim, ele estava ligado pelo parentesco, mesmo que distante, a três grandes incentivadores das artes do século XX: Paulo Prado, que manteve nos anos 1920 um salão cultural em sua casa de Higienópolis, frequentado por intelectuais e artistas como Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, o escritor Paulo Duarte, dentre outros, além de ter atuado na organização da Semana de Arte Moderna de 1922; Olívia Guedes Penteado, mecenas dos modernistas até sua morte em 1934; e Yolanda Penteado, à frente das Bienais de São Paulo, de 1951 em diante.
Além disso, conhecia muita gente do meio. Ainda jovem, Carlos Prado frequentou as reuniões promovidas por Carlos Pinto Alves em sua biblioteca particular, juntamente com Mário de Andrade, Murilo Mendes, Gilberto de Andrade e Silva, os irmãos Tácito e Guilherme de Almeida, os pintores Quirino da Silva, Antônio e Regina Gomide, o arquiteto Gregori Warchavchik, e os irmãos Alves de Lima. E manteve amizade com os artistas plásticos Bruno Giorgio, Arthur Pizza e Vitorio Gobbis.

Em outros termos, ele era detentor de variados trunfos: a origem familiar, a formação em bons colégios no Brasil e na Inglaterra, as vivências no exterior, a breve militância política no Partido Comunista do Brasil (PCB), o bom trânsito em esferas sociais distintas (relacionava-se tanto com membros da elite econômica, bem como com operários) e o acesso aos dirigentes culturais.
Ademais, Carlos foi atuante no Modernismo como artista plástico, arquiteto e teórico da arquitetura funcional. Ao longo da carreira, a obra dele teve maior relevância nos meios artísticos e oficiais do Estado de São Paulo, sendo consagrado pela crítica especializada antes mesmo que pelo público. Conquistou ainda em vida o respeito de algumas figuras emblemáticas das artes modernas de nosso país, como Pietro Maria Bardi, Geraldo Ferraz, Quirino da Silva, Sérgio Milliet e Paulo Mendes de Almeida, todos defensores da arte figurativa. Porém, nos dias atuais, somente um pequeno grupo de estudiosos da arte brasileira o conhece e um restrito comércio de suas obras é movimentado, na maioria das vezes, por escritórios de arte ou leiloeiros estabelecidos em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Diante da importância de Carlos Prado para as artes nacionais, analisei sua produção, formada tanto por obras pictóricas produzidas no período 1932-1990, bem como por textos inéditos (a maior parte datada dos anos 1970 e 1980), nos quais fez um balanço geral da arte e do mercado, com destaque para a atuação dos críticos e suas atividades como intermediários nas relações entre o artista e o cliente. Todos estes elementos me permitiram resgatar o personagem através de um misto de pesquisa teórica e pesquisa empírica (trabalho de campo, entrevistas e análise de documentação inédita).
Fundamental para a tese foi o fato de o arquivo pessoal do artista ter sido cedido pelo filho Cláudio, contendo diversos escritos de próprio punho sobre arte, agenda de endereços, poemas, contos e poesias. Visto que se encontravam fora de qualquer ordem e aparentemente guardados havia anos, realizei, antes de mais nada, todo o trabalho de limpeza e catalogação desse material.
Os dois álbuns: Memórias sem Palavras, flagrantemente autobiográfico que evoca a infância do Autor, num daqueles casarões aristocráticos de Higienópolis, originalmente editado na Suíça, contendo desenhos datados de 1954 e reeditado recentemente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e A Cidade Moderna, de 1958, um ensaio gráfico-poético com os signos da modernidade, como as altas chaminés das fábricas, inúmeros prédios, carros disputando espaço com os ônibus e os caminhões, que demonstra o vaivém das multidões, os trabalhadores organizados em filas diante das indústrias, em uma referência ao enorme contingente de operários existentes na metrópole, formam o rol de fontes primárias, além de vinte e oito cartas com informações pessoais, as quais pertencem atualmente ao IEB-USP e que fazem parte do arquivo Caio Prado Júnior. Ou seja, utilizamos a correspondência que manteve com o irmão e a de Caio com os pais, além de fotos que compõem os álbuns de família. Pesquisei, ainda, o Arquivo do Estado de São Paulo e os prontuários do DEOPS no período em que Prado foi vigiado pela polícia política (1932-1933), porque ele militava no PCB, era membro da Sociedade de Socorros Mútuos Internacionais (SSMI), dirigia o CAM e viajara para a União das Repúblicas Soviéticas.   

As análises dos jornais da época foram de grande valia, uma vez que deram as informações necessárias para sedimentar aquelas encontradas nos arquivos do artista, em especial quando contestava os críticos de arte. Concentrei a pesquisa nas colunas de arte publicadas tanto na Folha de São Paulo como em O Estado de São Paulo, além de Os Diários Críticos, de Sérgio Milliet.
O período tratado, aparentemente longo (entre 1932 e 1992), torna-se possível pois o conjunto da obra de Carlos Prado é relativamente pequeno dada à circunstância de que o artista era extremamente rigoroso consigo mesmo, consequentemente executava lentamente todas as etapas através das quais se desenrola e se cumpre a criação artística, da idealização, da fase fermentativa, por assim dizer, até a feitura propriamente dita. Para Paulo Mendes de Almeida, o relógio particular de Carlos “poderia prescindir da indicação dos segundos e dos minutos, bastaria que marcasse dias ou anos”.
De acordo com as fontes, é possível afirmar que Carlos Prado foi um pintor do Modernismo paulista, que adotou a temática popular e social durante as décadas de 1930, 1940 e 1950, imprimindo em seus trabalhos uma visão idealizada do passado sob o ponto de vista de um aristocrata, e que absorveu a ideia de “brasilidade” nas artes plásticas defendida pelos críticos Mário de Andrade e Sérgio Milliet.
Embora seja reconhecido como artista social, vale lembrar que o maior prêmio ao longo da carreira foi uma Menção Honrosa, recebida no tradicional III Salão Paulista de Belas Artes (1935), pela obra Caminho de Cotia (1935), uma paisagem de caráter naturalista, de terras ainda virgens, onde só aparecem morros e uma vegetação local, sem nenhum tipo de construção. Vinte anos depois, o artista pintou o óleo Paisagem de Cotia (1955). Na imagem atualizada vemos no lugar de morros, uma pequena cidade despontando. 

Além da análise do conjunto da obra de Prado, detectei os motivos para o afastamento dele do sistema das artes nos anos 1960, quando nada produziu ou expôs, retornando às atividades artísticas na década seguinte, possivelmente porque nos anos 1970 ocorreu “uma nítida retração da produção e recepção da crítica de arte”. Logo no início da década, Mário Pedrosa que desde meados de 1940 vinha apoiando a arte abstrata, havia deixado o Brasil, passando a viver exilado no Chile, durante o governo de Salvador Allende. Além disso, houve a consagração máxima da Semana de Arte Moderna por ocasião das comemorações de seu cinquentenário, em pleno período da ditadura militar, tornando-se um fenômeno de interesse oficial e popular. O Modernismo, por sua vez, virou tema de documentários, filmes de ficção, peças de teatro, etc. O Instituto Nacional do Livro publicou a obra completa de Mário de Andrade. A Revista Cultura dedicou um número inteiro ao Modernismo, com ensaios de renomados pesquisadores. O MASP, contando com o apoio de Pietro Maria Bardi, montou uma grande exposição, retomando as obras de artistas ligados à Semana. Ou seja, a valorização dos modernistas só consolidou-se no início dos anos 1970, quando passou a fazer parte do calendário oficial da cultura brasileira e foi visto como uma das mais valiosas tradições.

Não é mera coincidência o fato das aquisições de obras assinadas por Carlos Prado, para compor as já citadas coleções do Palácio Boa Vista, do MAM e da Pinacoteca Municipal, deram-se exatamente nessa época. Daí em diante, o artista seguiu trabalhando com a sobreposição de imagens, técnica adotada ainda na década de 1950, onde os elementos se organizam uns por cima de outros para expressar uma interação. Após 1975, suas obras voltaram a figurar em mostras coletivas. Em maio de 1976, o MASP realizou uma retrospectiva de seus trabalhos.
Nos anos 1980, Prado produziu abstrações expressionistas, assustadoras e complexas, resultando em um emaranhado sem fim. Entre os dias 18 de dezembro de 1980 e 30 de janeiro de 1981, deu-se a quinta mostra individual, promovida pela Galeria José Duarte de Aguiar, em São Paulo, onde ele apresentou quarenta desenhos, que efetuara desde 1935.
Nunca teve alunos e nem assistentes, não institucionalizando uma relação com os mais novos e nem conseguindo multiplicar o seu saber artístico, embora pintores iniciantes o procurassem para pedir orientações. Carlos não deixou seguidores, faleceu em 1992, decorrente de um câncer.

Resumidamente, o meu interesse desde o início foi o de elucidar aspectos da vida, da produção artística nas mais distintas concepções, e revelar os motivos do descontentamento de Carlos Prado com os críticos e instituições, nos anos 1960. Para tanto, analisamos as origens sociais, os ambientes frequentados, os vínculos afetivo-familiares, a formação acadêmica e o breve período de militância política no PCB e na SSMI. A partir dessas reflexões pude responder questões cruciais, tais como: Por que Carlos Prado não fez sucesso junto ao grande público se fora consagrado pela crítica? Por que suas obras, embora se encontrem nos principais museus de São Paulo são pouco conhecidas? Por que é considerado um artista isolado, apesar de ter participado de vários salões, exposições nacionais e internacionais importantes, além de três edições da Bienal Internacional de São Paulo (1951, 1953 e 1985)? Como se explicam as oscilações em sua carreira? E as aproximações e os afastamentos com relação às vanguardas? Qual foi a maior contribuição deixada por ele?
Entendo que a trajetória de Carlos Prado foi multifacetada, diversa e longa. As oscilações percebidas no conjunto dos trabalhos, principalmente dos anos 1970 em diante, são fruto da experimentação (técnicas e estilos), uma vez que não se enquadrava mais em instituições ou não se afinava a qualquer tipo de grupo ou estilo. A causa final das obras era o prazer pessoal, somado à aspiração de sair do anonimato, assegurando uma almejada reputação. Seus trabalhos tiveram como destino as residências de familiares, o acervo de museus paulistas e, frequentemente, são oferecidos em leilões.

Possivelmente, a maior contribuição de Carlos Prado para as artes nacionais foi a representação da rua como cenário da vida e das forças sociais, políticas, econômicas e culturais da cidade; onde se encontram os aspectos do mercantilismo, do capitalismo, as consequências das descobertas científicas e da revolução industrial. Assim, mostrou como a urbe estava estritamente ligada a um conjunto cultural.

Bibliografia
ALMEIDA, Paulo Mendes de. Carlos Prado. Catálogo Individual, São Paulo, MAM, 1976, texto de abertura.
MILLIET, Sérgio. Diário Crítico (1940-1943). São Paulo, Editora Brasiliense, 1994.
BARROS, José D´Assunção. “Mário Pedrosa e a Crítica de Arte no Brasil”. ARS. São Paulo, vol. 6, no. 11, 2008.
COELHO, Frederico. A Semana sem Fim. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2012, p. 20.

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